carminha nieves

ACEITAR E MUDAR UM POUCO

                   

 

Hoje não saio. A noite não me inspira confiança, de um momento a outro pode começar a trovejar. Amanhã é outro dia, outra noite e veremos.

Pela rasgada janela da varanda vejo o Porto, as luzes somente, um ruido de fundo adormece os meus ouvidos, são os carros a pisar o molhado da estrada.

Outro mais baixo oiço, a respiração do meu companheiro adormecido no sofá.

O pensamento teimosamente, voa para o que quero esquecer.

Felizmente que já não entristeço. Aceito. Somente isso e nada mais. Embora tenha perdido uma oportunidade de vender um andar que está fechado todo o ano e só me dá despesa, nem isso me importou. No fundo já contava. A demora de um ano, foi demais para o comprador. Só me resta, ir buscar o que quero de móveis e deixá-lo as moscas. Tudo tentei e fiz, sem conseguir nada.

Fui feliz quando o usava, adorava a praia pela manhãzinha, as caminhadas, cafeterias, as minhas amigas, passei meses seguido lá. Agora nem quero lá entrar, magoa, muito do passado antigo e recente ecoa pelo corredor, na brancura do mármore, a cadeira branca da varanda com coxins de riscas amarelas onde o meu Marido passava horas a olhar o mar, intercalado com pequenos dormitar.

A minha gatinha branca como a neve a correr e a saltar, resvalando no polido chão de mármore.

Tenho que me convencer que são recordações e que não volverei a vive-lo.

Tudo passa, tudo termina, novas etapas, novos desafios, vem e tenho que aceitá-los, com força e alegria, pois é sinal que estou viva. Deus não tira nada, só leva o que emprestou. Penso que ninguém sente a minha falta, já partiram e eu fiquei, para penar a solidão de os não ter. Com pena, muita saudade, mas estão todos no meu coração. Quantas zangas, quantos amuos, mas no fundo, sentimentos sem nome acompanham-me sempre.

Posso dizer que sou exigente demais e não o entendo. Se com pouco me contento, se não tenho limitações tanto físicas como monetárias, se tenho um grande Amigo, difícil de encontrar hoje em dia, porquê esta inquietude, de falta. Não sei o que é. Talvez tenha nascido em hora errada, em tempo que não era o meu. Se soubesse o que me inquieta, era bom. Penso que sinto os amigos a deteriorar-se, a minha geração a acomodar-se ao não fazer nada, serem velhos sem razão e ter que aceitar novos, com mentalidade diferente. Tentando não criticar a falta de valor moral, liberdade a mais, é um mundo diferente. Não quer dizer que tenha razão e eles não, mas a mudança que tenho que fazer dentro de mim é grande. Outro tempo, outra maneira de ser, outros valores, mas são do melhor como pessoas. Com paciência lá vou indo, custa, mas não se pode viver isolado. Agradeço envergonhada a companhia dos mais novos, é o que me resta, pois como disse, os mais velhos, deixaram-se derrotar pelo calendário.

Porto, 23 de Setembro de 2014

Carminha Nieves