carminha nieves

AS NOSSAS SOMBRAS

                        

 

Como se muda com o tempo! Vejo idosas arrastando os pés, um pouco curvadas, sozinhas indo pelos passeios, alheadas do que as rodeia, lá vão talvez a uma frutaria, ou comprar pão.

Estática na janela do meu quarto, olho-as e penso: Já foram juventude, correram, dançaram e viveram com agilidade, criaram filhos, amaram, foram desejadas. E o que vejo dá-me tristeza, penando os erros seus e talvez de outros, vão em busca do que perderam. Independência, forças, em resumo A Vida! Em novas nunca pensamos como seremos mais tarde. Vivemos os momentos que se transformam em anos e ficamos trôpegas, indefesas, sombras de alguém que ainda respira, mas que nada mais tem.

Deus, o fim da vida deveria ser diferente, nem me atrevo a imaginar como serei. Não posso. Nem quero.

Guarda-chuva velho, sapatos gastos, aí vão em busca do que eram. Quanta recordação e saudade, sem direito a sentir um olhar de amor, de aprovação, só pena e talvez um comentário silencioso de alguém mais novo a reprovar o andarem nos passeios a tirar-lhe espaço.

Desce o manto da neblina, escurece o dia, céu cinzento, chuva fria, envolvendo-as na solidão de nada poderem ter a não ser nostalgia e mágoa de não terem futuro.

Uma tristeza invade-me, juntamente com a certeza que mais cedo ou mais tarde seremos assim.

Na angustia de não poder parar o tempo, sinto que tenho que amar até á exaustão, beijar com amor, dar tudo e receber o que a vida de melhor contém, para mais tarde recordar e saber que aproveitei cada segundo.

Esquecer o que criticam, somente amar e ouvir o meu coração. Os outros não importam, lá chegarão e nem uns sapatos gastos terão nem guarda-chuva. Molhados e frios nos passeios, talvez não possam andar.

Não deixes que o céu escuro te acabrunhe, sê um raio de sol, resplandecente, ilumina quem te abraça e vive.

Enquanto Deus te ampara e deixa que tenhas sentimentos aproveita. A tua sombra vai atrás de ti e apanhar-te- á.

A esta hora, com as compras de certeza arrumadas, a sopa comida, devagar arrumam a cozinha e nada mais o dia lhes trará, pobres seres humanos que mesmo respirando e quem sabe com algumas ilusões, ficarão sentados numa cadeira incómoda a olhar pela janela, envolta na manta já gasta. O olhar para outras criaturas que se aventuram a sair e andar arrastando os pés pelos passeios.

São coisas da vida que a vida tem.

Porto,4 de Novembro de 2014

Carminha Nieves