UM SIMPLES DESEJO
Aproximou-se de mim, devagarinho,
Já bem encurvado, mas com ar limpinho,
E um sorriso nos olhos, num rosto enrugado…
Deu-me os bons dias com voz sumida,
Foi-me falando da vida já percorrida,
Agora sozinho e a viver em qualquer lado.
Perguntei-lhe donde vinha, por perguntar
Mas sempre sorrindo, disse-me não recordar,
Pois os seus pais, e ele, por muitos lados andaram…
Perguntei-lhe de si, ficando com um ar parado,
E foi-me dizendo já de pouco estar lembrado,
Pois na sua cabeça, as coisas já se baralharam.
Depois dalgum tempo, umas moeditas me pediu,
Para poder comer uma bifana… e logo sorriu,
Talvez tentando recordar o sabor que ela teria…
E eu dei-lhe o pouco dinheiro que tinha comigo,
Mas que chegava para satisfazer o desejo antigo,
Que estava dentro da sua cabeça… e não saía.
Despediu-se, com o sinal da cruz, meio aturdido,
Erguendo os olhos ao céu, com um ar agradecido,
Talvez por, finalmente, o seu desejo poder satisfazer…
E a minha alma chorou… mas de pura emoção,
Pois eu, felizardo na vida, nunca mostrei gratidão
Por tantas bifanas que comi dentro do pão…
Mas ao pensar nesta… pela primeira vez senti prazer.
(J. Carlos – Outubro 2014)