Carta de um filho
no dia
da Mãe
Mãe,
Não sei se um dia,
55 anos atrás
dormindo sentiste,
uma ligeira corrente no teu ventre
e acordaste com uma suspeita,
não foste ao laboratório
porque não podias,
mas ao saber sentiste uma alegria
que com o choro se confundia e disseste:
-Vou ser mãe outra vez.
Não sei quantas vezes olhaste ao espelho
a contemplar o enorme globo que crescia
e como um planeta habitava dentro,
esse que em particular era a gravidez.
Não sei
se aos nove meses sem poder dormir
arranjaste uma e outra vez as almofadas
se coseste ou foste a loja a comprar
meias azuis
camisinhas pequeninas
a arranjar o berço
para o novo bebé que vinha,
não sei se chegou alguma amiga
irmã ou familiares
com bordados e chapéuzinhos
biberões ou alguma lata de leite
um chupo ou um cobertor,
não sei se olhaste para o céu
ou agradeceste à virgencinha
e agradeceste essa dor empapado de alegria
por ser mãe outra vez,
não sei se anestesiada
quando te tiraron o bebé ele nasceu
vias a esse lindo elefantito branco
e mesmo assim sentias
que o amor era simplesmente imenso.
Não sei se puseste os meus diminutos dedinhos
na palma da tua mão
olhaste aos meus olhinhos de recen nascido
e susurraste-me ao ouvido:
Tu e eu temos um pacto,
és o filho que Deus me deu
vou criar-te para ti oh Deus do céu
e para ti oh virgem do meu coração.
Quando me ajudaste a gatear por toda a casa
ou simplesmente ponhas-me no chão e vias como gateava
puseste bancos, caixas por todo lado
e barreiras para que não caisse das escadas
e quando lavavas as minhas fraldas
e toda a minha roupinha
estava eu aí olhando-te com muita atenção
como quem sabia,
e ao pendurar acima do lavadeiro
os raios de sol e o vento
sorprenderam-te
com a minha primeira palavra:
mamã,
e correndo foste a dizer a todo o mundo:
Ele disse-me mamã.