NAQUELA NOITE...
Naquela noite branca de neve... chuvosa e fria...
Olhei p’ra dentro daquela velha caixa de cartão,
E lá dentro vi uns olhos tristes, que p’ra mim estavam a olhar...
E também vi um corpo encurvado onde ainda batia um coração,
Mas que só jornais e trapos rotos... esse corpo estavam a tapar.
Assustado... os meus passos eu rapidamente apressei,
Sem mais querer saber porque aquele homem estava ali deitado,
Mas depois caí em mim... e logo para trás de novo eu voltei,
P’ra saber se de alguma coisa, o pobre velhote estava precisado.
E ele me disse, que muitas caixas de cartão queria ajuntar,
Para que no futuro elas não viessem, ali no sítio, a faltar,
E poderem servir de camas aos que ainda hoje eram crianças...
Para que quando fossem velhos, e na calçada fossem lá dormir,
Que, como ele, tanto frio durante a noite não viessem a sentir,
E na vida... e nas gentes... continuassem ainda a ter esperanças.
E eu comigo pensei, como está tão podre esta pobre sociedade,
Que deixa que os seus velhos já vivam da triste mendicidade,
E que sem um tecto terem... na rua, ao relento, tem que dormir...
E dos meus olhos, as lágrimas, pela minha face logo rolaram,
E as minhas mãos, logo outras caixas de cartão... ali juntaram,
Para os outros velhos do futuro... terem uma coisa p’rós cobrir.
Mas... o meu coração, logo sentiu o poder do amor sentimental,
Vendo aquela jovem, que trazia um cobertor que queria oferecer,
Àquele pobre velho ali deitado... para o seu corpo ele aquecer,
Naquela noite branca de neve... chuvosa e fria... noite de Natal.
José Carlos Primaz (J. Carlos)
in (Horizontes da Poesia – 10ª. Antologia/2018)
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