jorge BRAGA

11 PAPEL BRANCO de 2010

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Parei num grão de areia

que olhei prolongadamente.

 

Mirei aquele

entre o amarelo e o branco

universo

que na ponta de um dedo

me encontrava

perdido

desta expansão ordenada e infinita

de um Universo que me perde

desordenado e contraído

 

Tracei uma fina linha vermelha

que cruzou direita

uma folha de papel branco

perfeita na sua condição de linha.

 

Ali ficou algum tempo

sozinha e visível e marcante

de marcar o que nem sei

mas marcando.

 

Depois,  há sempre um, depois

linhas sem conta, ondulantes e direitas

encheram a brancura do papel

e num instante se perde a noção e a conta

do que havia de linha direita

de ponto a ponto.

 

Gotas de ilusões nas gotas de sol

depois do raio da chuva que nada lavou.

 

Tudo se ergue de pequenos pedaços

e tudo cai na terra ou no tempo

que aturou e sustentou gerações

como ondas que se desfazem nas rochas

que desfazem

e arrastam areia que alisam

no vazio branco

de um destino incerto.

 

O meu olhar pisa sensações

nos lagos de sentimentos afogados

em cada bocado que viveu de pertencer

e agora aguarda o peso de pertencer de novo.

 

O que pesa é sempre a falta

os limites que se estreitam

o equilíbrio que se renova em cada perda

e de novo se perde

no tentear os dias e as sensações

que arrastam os pés de um para outro

num jogo de empurra que se retarda sempre

na cabeça que se atrasa sempre.

 

Preciso desta estrada repleta de sinais

preciso de ordem nestes sentidos proibidos

que a meu lado caminham

num sentido que não entendo

e por isso aceito, porque não entendo.

 

Marcas e limites, ordem nesta desordem

que por mim pensa e por mim vive

neste intervalo entre vazios

que me permite ser

sempre

a criança que nada sabe

e por isso remexe, vasculha

e tenta de cada garfada

a plenitude que se perde na seguinte.

 

Sucessão que se alonga na distancia

marcas que aos poucos vão caindo

incapazes do peso que as solta

deixando-as cair........

 

vou fazer a barba ao meu filho

essa marca que me verga e eu não solto

nem quero deixar, nem cair com ela

 

O que importa nem sempre é importante

é mais uma relação de factores que se unem

e dos quais o mais importante

é sempre o último

o que no fim sente, o que é importante

para quem o sente no fim.

 

Morrem os momentos

como palavras que se alinham

no sentido

esquerda, direita, alinhadas

na busca de uma noção

que dispense as noções todas

na busca da razão que se possa perder

na ausência das razões todas

que a distancia e o tempo engole

como lixo que se arruma

para  que se possa fazer mais lixo limpo

fresco e razoável.

 

Anseio sentir da casa os tijolos que não vejo

as fundações que existem e o lixo que a fez

enquanto nela durmo e como, vivo e sinto

e nela espalho visões como pinturas

de um destino colorido que se encerra.

 

Sentado e engolido pela prisão que me suga

espalho visões, viagens e ilusões

que só eu posso

de só eu abanar as grades que são minhas

de só eu procurar a merda que sou.

 

Cinquenta e dois anos e o mesmo impasse

os meus segundos parecem de quartzo

param e arrancam

e só a sucessão deles

o acumular

os esconde

guardados pelos recantos

que acumulam o desenrolar deles

que se faz mais importante

do que eles

escondidos e perdidos pelos recantos.

 

Ando a perder a coerência

ao certo nem sei bem o que é

mas certamente não é o meu forte.

Faço pausas de retomar o que sou

e olhando os meus, olho o que posso ser

neles

que são o meu forte.

 

É tudo tão relativo, tão passageiro

mas como pregos de dor e de prazer

que afundam as sensações

e ressaltam as emoções

e marcam caminhos de andar sempre

nada pára, nada mesmo

o percurso que dormindo se faz

o percurso que inconsciente prossegue

nada o pára, nem os pregos.

 

Tudo parece o sentido de cada grão de areia

na teimosia do vento, do cimento

para que nunca fique sozinho

numa escrita DADA que anseia o senso

de não o querer e o tem sempre

por não o querer.

 

Dos versos desenhados de Apolinnaire

ao abstracto repleto de formas novas

tudo é uma procura que agiganta cada vez mais

a partida tantas vezes perdida

nos cantos, nos sensos, nos sentidos

estuantes, pulsantes e vivos

de serem da fuga o constante regresso.

 

Do mal eterno à beleza efémera

hoje o Vetell sagrou~se campeão

e o Benfica ganhou.

 

A desordem que vive na minha cabeça

ordenou-se de novo

numa desordem mais remexida.

 

Tenho o vazio das certezas que não tenho

apraz-me o surrealismo de sentir que não vivo

e sentir o vigor do cansaço

em cada Kafka de cada esquina escusada.

 

As cores de tudo ser branco

escorrem como areia no tempo que as mistura.

 

A certeza de tudo ser incerto

permite sentir certo

o que se esvai, o que cai

como certezas que se erguem

da incerteza que nada segura.

 

As ondas que se enrolam levam o que trazem

e trazem o que levam

num mecanismo que afoga as perguntas

nas respostas que enrola constantes

como um borrifo eterno

como saliva que de novo se engole.