carminha nieves

SE PUDESSE MANDAR NA VIDA

 

                

 

Pudesse mandar na vida. No pensamento cansado de tantos anos, no monte imaginário onde sentada vejo o caminho percorrido, na solidão sem ninguém, chamo por ti. Nunca te senti, nem te vi. Desejei-te, mas em vão. Hoje sabendo que nunca te verei ou sentirei, a revolta é enorme.

Vida perdida, sem finalidade no labirinto da esperança de que melhorasse, foi-se gastando o tempo e hoje batalho para com o inevitável e lágrimas que pensei já não ter jorram quentes dos meus olhos cansados.

 Estranha esta minha maneira de ser, alerta e ciente do que sou, como mascarada em carnaval continuo, mostro o sorriso para os outros. Como eu há milhões, como eu sofrem revoltam-se com a indiferença dos que ainda não estão no monte a olhar o passado. Tanto perdi sem o ter, tanto vivi sem viver, tanto pensei ter, sem ter nada.

Vejo nos cabelos brancos que ainda ontem eram loiros de crianças, a crueldade da vida impiedosa, a cobrir-nos e nestes momentos, sei o que sou.       Da vida quando acaba resta somente o amor que se teve e se deu, sem pensar que ninguém o queria.

Desgaste insano do corpo com tempo limitado. E onde estão os sonhos? Pequenos instantes de ilusão, paliativos do pouco tempo que se vive.

Consciência que sem desgaste sente e sabe num corpo que teima em querer viver eternamente como ainda fosse criança e no colo sentisse o calor de alguém que nos velou no sono e amparou.

Que me importava viver na velhice se pudesse ver o sol, sentir o seu calor, sentir a brisa roçar a minha pele. Recordar vendo fotografias de quem partiu e que me deixaram o elo forte do amor. O nunca ver como será no futuro os avanços, novidades, inventos, porque não mandamos na vida e ela é implacável e deixa-nos. E somos somente recordação eternamente. Para muitos, alguns ou nenhuns. Não importa, nunca o saberemos.

Embora sinta saudades, e pena de muita coisa que acabou, ainda posso ter os meus momentos envoltos em esquecimentos momentâneos e sentir a vida quase em plenitude.

Sou um beija flor, num jardim abandonado, na esperança que por arte mágica se torne florido.

Na calma inconsciência, onde não se sente o passar do tempo, nem o fim da vida, vive-se?

Talvez. Mas enquanto o pensamento voar por sombras ocas, de outrora, por afagos leves de mãos invisíveis, no calor do cantinho onde dormitamos e sonhamos, vive-se.

 

Porto,8 de novembro de 2019

Carminha Nieves