alvarogiesta

Vem uma baforada de estio sobre o rosto

Vem uma baforada de estio sobre o rosto [i]

 

I.

Era tão clarividente a aurora

mal se abria uma porta no ‘ar exaltado da manhã’.

Os alvéolos do corpo acordavam sonolentos

como se do fundo do abismo saíssem. Assim te quis,

assim te possuí sem nunca te ter. Sem manhãs sinuosas

ou navalhas que preenchessem os incomunicáveis

espaços e vazios entre nós. “A lua unia a cúspide das artérias

― espaços preenchidos com as linhas ténues e frágeis

do sonho ― às ventosas mais poderosas que colavam

a noite, aos abismos mais profundos da alma.

 

Acordava a lua nova no poder da renovação

em todos os flancos do corpo ― nas crateras da noite

os desejos libidinosos abarcavam os sonhos e o tempo.

A fome de possuir flutuava no corpo como labaredas

impetuosas ― línguas de fogo a mergulhar

como magma ardente na consumação do acto.

Antes era o medo ― o medo da besta feroz do tempo,

pior que a víbora que se esconde venenosa à espera

da inocente vítima. Depois a força do medo verga-se

à teimosia do corpo que cria o veneno branco da paz.

 

[i] [com passagens de Herberto Helder em Cobra]