Queria chorar. Queria esquecer. Queria ser o que já fui.
Renascer deste cinzento e voltar a ser dourada.
Acordar noutra época já longínqua
Ser e não ser, sem questão. Mas aceitar o que sou.
Não saber que a vida é assim passageira e fugaz.
Que não se pode esticar o tempo. Está marcado.
Com afinco ter coragem e feliz viver o tempo meu.
Passou tudo tão rápido! Ainda estou na minha cama de grades beije e com um boneco pintado na cabeceira, a olhar a parede onde via figuras feitas pelo meuPai.
Ainda estou na praia na Foz, pequenina e rechonchuda com o fato de banho preto, vigiada pela ama a molhar os pés.
Ainda em Verin, a subir as escadas ao colo do meu primo, com um lampião de querosene a iluminar as escadas depois da guerra civil. Sou ainda a pequenina que nem ao parapeito da janela chegava. Tudo isto e muito mais lembro ao olhar os cabelos dourados e brancos que tenho.
Meu Deus! Como ainda me posso lembrar de andar ao colo da ama? Quem sou? E por isso quero chorar. Vivo na criança que fui e na idosa que sou.
Mistura selvagem na incerteza de saber quantos amanhãs vou ter.
Desabafo incontido nesta solidão de viver sem querer que me oiçam e sintam que nos iremos separar e nunca mais darmos gargalhadas, de mão dada passearmos e nunca voltarmos a abraçar-nos. Pode ser que ainda viva mais tempo para recompensar tantos momentos tristes que vivi.
Porto,20 de abril de 2021
Carminha nieves