Não sei onde deixei passar o tempo. No pensamento tudo guardado, desde a ama até à minha cama de grades, aos minúsculos vestidos com favos de mel, à vacina, que deitada na cadeira de couro levei na nádega, para não ficar com a marca no braço.
Como um sonho, vejo-me ao colo, de pé na cama segurando o lateral e ouvir o Dr. Feio, o nosso médico a falar no hall da entrada, a subir as escadas, das moedas grandes prateadas que me davam por não chorar ao cair e magoar-me.
Sou a criança, a adolescente, a mulher, mãe, avó. Mas sou tudo no que se gastou, como manta roçada do uso.
Deus fez-me num momento
em que estava distraído e saí diferente. Nunca me trocaria por ninguém. Quantas vezes fico calada, para não pensarem que sou doida. AH! Se soubessem os meus pensamentos! Desbotada, sem cores definidas, por dentro é novo. Nem as lágrimas ficaram.
Num momento irei, para onde não sei, pois o que sou só Deus o sabe. Ficarão as milhares de palavras que durante a vida toda plasmei num papel qualquer. Alguém o lerá. E neses momentos eu ainda estou cá.
Na doença, na alegria, na dor de tantos momentos que queimaram a minha alma, por gestos ou palavras, sinto que desde que Deus me criou nunca saiu da minha vida. E sinto que assim será eternamente.
Amo viver, amo o ser que sou, os braços que me abraçam, o sentir que mesmo sendo tela desbotada, sou desejada e sem vaidade, sinto-me renascer todos os dias.
Sem saber o que sou, para onde vou, o que desejo é ir ficando por aqui dentro das lembranças vivas, desde que existo.
Porto,1 de Junho de 2021
Carminha Nieves (secreet50)