maltez62

A dôr que vem de dentro

A dôr que vem de dentro

 

            O que mais doía

            Não eram as correias

            Nem os pontapés, as chapadas

            Ou os carrolaços,

            Não doíam os beliscões

            Os gritos ou repreensões

            Mas sim o saber o quanto lhes importava

            Ninguém sabia nem conheciam.

A falta de amor

De um beijo ou uma caricia

Sentir-me sozinho e até abandonado

Provocava em mim uma rebeldia

Que ao fim dava a que me batiam.

            Ainda dói

            Talvez porque ainda não perdoei

            Ainda sinto aquele “fica pra aí”

-não te mexas, não faças nada,

Fica quieto, não fales, não grites, não chores.

            Senti a fome

            Conhecia-a por dentro

            Soube o que era comer ao jantar

            Milho branco aos quadradinhos

            Numa taça de cevada.

Essa dôr vinha de dentro

Como um frio que sentia bem perto do coração

Mas que não se mexia

Senão que ficava ali,

Doía e puxava do vazio dos pulmões

Como um grito que queria saír

Mas não saía

Era pior que a correia com que me batiam.

E pensava no entanto

Que o mundo lá fora

Também era assim.

As crianças brincavam no meio da rua

Corriam e gritavam

Caíam e choravam mas se levantavam

E eu só vía e ouvia através da minha janela.